Como "pagar' aos meus avós por tudo o que recebi deles? Talvez a única forma de retribuir-lhes seja a de deixar esse mesmo legado às gerações futuras.
Faz tempo deparei com um letreiro cujos dizeres me chamaram logo à atenção: "Adote um avô".
Depois observei como este lema se transformou em: "Ajude um avozinho". Ambas as mensagens me fizeram refletir muito sobre a importância que tem a figura dos avós e sobre o amor que eles professam perante seus filhos e netos.
Sem dúvida, para qualquer um de nós que tenhamos tido a sorte de conviver com nossos ascendentes, alguns deles representaram um elemento importantíssimo na nossa formação.
Não faz pouco tempo, na verdade demasiados anos já se passaram, quando eu era apenas uma criança que procurava aproveitar a maior quantidade de tempo possível em companhia dos meus avós.
Desde essa época, sempre me perguntei por que me agradava tanto a companhia deles.
Hoje penso que teria sido provavelmente por causa da paz que os meus avós me propiciavam e pela grande sabedoria que eles sabiam e conseguiam me transmitir com base em sua experiência de vida.
Meu avozinho, por exemplo, sabia de fato me distrair, ensinando-me ao mesmo tempo coisas tão úteis como aprender a varrer, a lavar o carro e a preparar um delicioso suco de laranja.
Com os meus avós aprendi também a construir castelos de cartas de baralho e casinhas, com as peças do dominó, além de muitas outras brincadeiras que podem parecer, à primeira vista, nada transcendentais, mas nos proporcionam uma sadia convivência em família, partilhando momentos inolvidáveis que permanecem para sempre em nossa recordação.
Eu poderia arrolar aqui uma lista interminável de momentos felizes, seguramente inesquecíveis. Por exemplo, o dia em que aprendi a jogar dominó, as inúmeras lições de minha avozinha para eu aprender a jogar canastra com desastrosos resultados...
No entanto, independentemente de todos esses momentos que a gente guarda como um tesouro na vida, menciono também outra preciosidade de muito mais valor:
Nunca poderei esquecer o inquebrantável testemunho de trabalho do meu avô, quando saía de casa bem cedinho, apoiando-se num bastão, em conseqüência de uma bala que atingiu seu joelho, causando-lhe muito sofrimento pela dificuldade em caminhar, isso ainda nos tempos da Revolução.
Recordo-me como a avozinha se despedia dele com um carinho de dar inveja, permanecendo de pé, parada à porta da casa, por um longo espaço de tempo.
Meu bom velhinho se virava sempre, até de bem longe, para acenar mais uma vez um adeusinho à vovó, com a segurança de revê-la, pois sabia que ela continuaria no mesmo lugar, esperando para corresponder ao seu gesto, até perdê-lo de vista no final da rua.
Igualmente indescritível era a alegria de toda a família, quando escutávamos o toque característico que o meu avozinho nos dava, sempre que voltava do trabalho para casa.
Todos corríamos para recebê-lo, mas sempre nos surpreendíamos com a ligeireza com que a vovó invariavelmente nos passava à frente.
Uma coisa muito difícil, para mim, quase impossível mesmo, de recordar, é se alguma vez teria o meu avô retornado de mãos vazias. O que consigo relembrar, com muita clareza, é a figura do velhinho ao tirar o chapéu para receber, com ternura, um beijo de sua queridinha, ainda na frente da casa. Em seguida, ele começava a fazer a entrega, uma por uma, das mais variadas lembrancinhas que nos havia trazido. Às vezes eram doçuras baratas, guloseimas em forma de pequeninas peras de cor verde, até um carrinho de brinquedo ou algo parecido, em certas ocasiões.
Isto sem precisar dizer que, invariavelmente, nunca deixava de trazer algo especial para a minha avó, alguma delicadeza que ela recebia com manifesta, irradiante alegria.
Seus presentinhos eram coisas muito simples, mas escolhidas a dedo para desenvolver nossa inteligência e estimular a imaginação.
Nossos avós participaram ativamente de nossa formação, de forma muito especial. Lembro-me de quando minha avó me ensinou as primeiras orações, essas que todos nós conservamos na memória.
Recordo-me muito bem de como, pouco a pouco, ela ia plasmando, em cada um de nós, uma consciência reta, ensinando-nos a distinguir com clareza, e senso de justiça, entre o bom e o mau..
O que nos marcou, contudo, entre todos os meus irmãos e primos, com uma indelével lembrança, conto agora:
Todos os dias, ao anoitecer, antes de irmos dormir, minha avozinha nos acompanhava para rezarmos as nossas últimas orações e, de maneira singular, entrelaçando o espiritual e o lúdico, ela nos conduzia a um cômodo no qual foram preparadas diferentes divisões que se destinavam a cada um de nós.
Ali, ao abrir certas portas, havia um aquário vazio, de cristal, ladeado de outros dois aquários de tamanho menor, contendo, um deles, bolinhas de gude de cor preta, e o outro, bolinhas de gude de cor branca.
Ao passo que cada um de nós ia rezando, tinha que ir fazendo um exame de consciência. Por cada má ação que tivéssemos praticado durante o dia, devíamos depositar no aquário maior, o do meio, uma bolinha de gude de cor preta. Da mesma forma, por cada boa ação, uma bolinha de gude de cor branca. Depois disso, nós nos retirávamos para dormir.
No dia seguinte, ao nos levantarmos, pairava sobre todos nós uma grande ilusão de podermos retornar ao mesmo cômodo da véspera, já que sabíamos que as bolinhas de gude da noite anterior haviam-se "convertido", pelas mãos de minha avó, em montículos de palha, maiores ou menores, conforme tinham sido as nossas ações do dia anterior.
Essa palha, dia após dia, era guardada por nós mesmos, com um profundo respeito, em uma caixa grande, colocada debaixo da divisão onde se encontravam o aquário e as bolinhas de gude.
No final do ano, e sempre em companhia dos avós, todos esperávamos com ansiedade o dia de armar o pinheiro de Natal, e sobretudo as figuras do Presépio.
Experimentávamos, ainda que com certo constrangimento pelo tamanho dos diferentes montinhos de palha, uma enorme alegria quando cada um de nós levava o seu montante, acumulado através das boas obras praticadas diariamente no decorrer do ano inteiro, para com ele construir o presépio do Menino Jesus.
Foi assim que aprendemos que, por cada obra má que tivéssemos praticado, ou por aquelas boas obras que tivéssemos deixado de fazer, indiretamente tornávamos menos aconchegante o presépio do Menino Deus, o que para nós significava uma tremenda responsabilidade.
Outro dos preciosos exemplos, acredito que o mais valioso, foram-nos transmitidos pelos avós com respeito ao verdadeiro significado do amor.
Não se trata, aqui, do "amor" como nos é apresentado atualmente pela televisão ou pelas películas de cinema, mas daquele tipo de amor que só se pode experimentar quando o casal se deixa unir pela vontade sincera de continuar amando, mesmo já tendo passado o que se convencionou chamar os "melhores momentos da vida".
Quando a beleza física cede lugar à beleza espiritual. Quando já se perdoou tudo um ao outro e se prossegue perdoando, única e exclusivamente por amor.
É assim que me lembro de como, ainda criança, eu deslizava sorrateiro pela casa para, secretamente, poder melhor observar meus avozinhos em seus momentos de intima convivência afetiva.
Pouco a pouco, sem ser surpreendido, eu chegava ao ponto de me esconder detrás da porta. Do meu esconderijo, podia vê-los sentados diante de uma pequena mesa junto à janela que dava para o jardim. Era ali que eles gostavam de ficar, jogando dominó. Eu podia observar, por entre a fenda da porta, como meu avozinho tomava delicadamente a mão de sua esposa, essa outra metade de sua vida, e a acariciava com uma ternura tal que até hoje não me é possível esquecer.
Depois, então, como se tivessem ficado noivos no dia anterior, vovô cantava para ela uma canção, com sua voz bem entoada, como se fosse o mais romântico dos homens apaixonados. Essa canção falava de uma árvore e de uma menina: a menina gravava o nome dele no tronco da árvore, e a árvore, agradecida, deixava cair uma formosa flor para ela.
No final da canção, vovô lhe dizia ser a própria árvore, na qual ela havia gravado o nome dele, nome que ele conservava em seu tronco, perguntando-lhe o que havia feito com sua pobre flor.
Assim é que fui observando, quase sem que me desse conta, como transcorriam os últimos dias de ambos nesse clima repleto de amor, que meus velhinhos sempre professaram entre si.
Talvez esta tenha sido a causa, quando meu avô morreu, de não ter transcorrido mais de um ano para que minha avó o alcançasse, indo reunirse a ele para sempre.
Ele morreu como sempre previra: "o dia em que eu já não consiga mais trabalhar, vou morrer de inatividade, porque a vida foi feita para servir, e quem não vive para servir não serve para viver".
Durante o último ano de vida de minha avó, meu avô nunca deixou de permanecer ao seu lado, embora fosse apenas pela recordação vívida que ela fazia questão de manter: ela continuou a arrumar a cama para ele dormir, como se continuasse vivo, e preparava seu lugar à mesa, do jeito que fazia habitualmente. Às vezes a gente até a escutava conversando baixinho com ele.
Partiram deste mundo meus avozinhos, mas só se foram corporalmente, porque seu exemplo, sua lembrança inolvidável e sobretudo seu testemunho de vida continuam ocupando, entre seus filhos e netos, um lugar muito importante, um verdadeiro exemplo a ser seguido.
Agora eu me pergunto de que forma se poderia "pagar" a avozinhos, como os meus, o incalculável legado que nos deixaram sobre o verdadeiro sentido do amor.
Talvez a única forma de retribuir-lhes seja a de deixar esse mesmo legado às gerações futuras. Oxalá, desta maneira, e só assim, nossos filhos e netos possam viver na própria carne "UM VELHO AMOR, SEMPRE NOVO".
Por: Bruno Ferrari.Desarrollo y Formación Familiar, A.C. Tradução: mcferreira - Niterói, 18.04.08: 01,25h
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